BOLETIM EFICIÊNCIA ENERGÉTICA 38/05
Segunda-feira, 29 de agosto de 2005.
EDIÇÃO ESPECIAL



EFICIÊNCIA ENERGÉTICA SOB RISCO DE APAGÃO*
Gilberto De Martino Jannuzzi



O Brasil tem desenvolvido esforços para conservar e usar energia elétrica de maneira mais eficiente desde 1985 quando foi criado o PROCEL. Outra demonstração de interesse e apoio público foi demonstrado em 1998 quando a ANEEL estabeleceu a obrigatoriedade das concessionárias investirem anualmente uma parcela de sua receita em programas de eficiência energética. Dois anos mais tarde uma lei federal (Lei 9.991/00) aprimorou a destinação de recursos para eficiência energética restringindo suas aplicações para usos finais junto aos consumidores das concessionárias e criando um fundo Nacional - CTENERG. O CTENERG deve investir em programas de eficiência energética de interesse público, complementando os investimentos realizados pelas concessionárias de distribuição que são na sua maioria empresas privadas.

Ainda está na memória de grande parte dos brasileiros que na época de crise do apagão, a eficiência energética foi o carro-chefe das ações para controle da demanda de eletricidade. Foi uma demonstração do potencial existente e um aprendizado coletivo sobre melhores hábitos de consumo e tecnologias. A crise teve também um grande papel pedagógico e muitos consumidores realmente mudaram seu patamar de consumo trocando equipamentos e usando mais energia solar, por exemplo.

Desde 1998 até o ano passado, somente as concessionárias de eletricidade investiram cerca de R$ 1,5 bilhões em programas de eficiência energética sob supervisão da ANEEL. É bem verdade que é ainda difícil demonstrar, com um mínimo de rigor e credibilidade, os resultados desses investimentos em termos de energia conservada. No entanto, estimativas da ANEEL apontam para um total acumulado de 1.144 MW de demanda evitada.

É pouco ainda.

Porém, observamos que durante esse período houve importantes avanços no programa de eficiência energética supervisionado pela ANEEL. Os projetos propostos pelas empresas concessionárias melhoram em qualidade, houve significativo aumento de empregos através de firmas de consultoria e engenharia que são responsáveis pela execução de grande número desses projetos, foi sendo criando um mercado estável e promissor para produtos mais eficientes e novos serviços. A própria regulação da ANEEL e legislação federal foi sendo aprimorada corrigindo alguns vícios e defeitos que especialistas e a prática apontaram.

Em que pese o registro positivo que fazemos acima sobre o apoio de políticas públicas à eficiência energética, é importante ressaltar que nem sempre houve consistência e continuidade de ações nesse sentido nos últimos 20 anos. Estamos agora sob uma nova ameaça que compromete o futuro de todo esse aprendizado e conquistas para garantir que nossa economia possa funcionar consumindo eletricidade de maneira mais eficiente e que os consumidores possam gastar menos com energia.

Pois bem, a ANEEL coloca em consulta pública uma resolução que muda as regras que obrigam as concessionárias a realizarem os investimentos em programas de eficiência energética. As novas regras representam um enorme retrocesso para o país e demonstram uma grande confusão conceitual por parte da ANEEL.

Assim, nessa nova resolução, a ANEEL obriga que no mínimo 90% dos recursos destinados pela Lei 9.991/00 à eficiência energética sejam aplicados em projetos de perdas comerciais e baixa renda. Nesse tipo de redação pode-se entender que um cenário possível seria a aplicação de 100% dos recursos para corrigir perdas comerciais das concessionárias. Ora, qualquer boa empresa não precisa de nenhum órgão pago pelo contribuinte para obrigar a realizar investimentos que a própria lógica de seu negócio já determina. Combate a fraude, instalação de medidores, evitar os "gatos" não são definitivamente ações consideradas como de "eficiência energética", é um enorme exemplo de redundância regulatória e que atende a interesses comerciais das próprias empresas.

Existem ainda outras graves distorções. Por exemplo, a nova resolução extingue a possibilidade de financiar programas de educação e programas que visam a melhorar a gestão energética de municípios. Outra importante conquista introduzida em anos anteriores e que tem estimulado a criação de novas empresas de serviços de energia através dos chamados "contratos de desempenho" também sofre restrições agora. Esses contratos possibilitavam a recuperação do investimento inicial em programas através de economias na conta de energia e tem sido importante instrumento para estimular um mercado pequeno mas bastante promissor de fornecedores de produtos e serviços de eficiência energética.

É realmente lamentável que, em lugar de estarmos avançando em aprimorar a regulação dos programas de eficiência energética das concessionárias, estejamos perdendo tempo em discussões que até agora entendíamos como superadas. A ANEEL deveria estar muito mais preocupada em garantir uma avaliação mais rigorosa dos resultados dos programas e realizar um esforço de melhor coordenação de metas e desenvolvimento de um mercado estável de serviços para eficiência energia.


*Gilberto De Martino Jannuzzi, professor Associado em Sistemas Energéticos, Faculdade de Engenharia Mecânica, UNICAMP e diretor executivo da International Energy Initiative.