Professor Gilberto De Martino Jannuzzi

Professor Associado em Sistemas Energéticos - Associate Professor in Energy Systems
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
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Planejando a Crise de Energia Elétrica

por Gilberto De Martino Jannuzzi *

A situação crítica de abastecimento de energia elétrica não é conseqüência apenas da falta de chuvas. Durante as últimas décadas o crescimento populacional, as necessidades de irrigação da agricultura e maiores usos industriais da água, aumentaram o consumo de água. Como este é também o principal combustível de nosso sistema elétrico e não houve um aumento proporcional da capacidade de armazenamento dos reservatórios das hidrelétricas, a vazão de nossos rios tem que atender a uma demanda cada vez maior de usos não energéticos. Esses fatos são mais evidentes em regiões mais densamente povoadas, como o sudeste.

A seca dos meses recentes apenas acentuou uma conhecida fragilidade do nosso sistema de abastecimento. Demonstra também uma ausência de política energética e visão de longo prazo. O problema tem origem há mais tempo. Há muitos anos os indicadores já apontavam para uma crise como a que enfrentamos hoje. Durante a década de 80 o consumo de eletricidade cresceu uma vez e meia mais depressa que nosso produto interno bruto (PIB). Na década seguinte o crescimento do consumo disparou na frente do PIB: foi quase duas vezes e meia mais rápido. Nosso consumo de eletricidade vem também aumentando mais rapidamente que nossa capacidade de geração nessas últimas décadas. A cada ano que passa estamos precisando de mais eletricidade para gerar R$ 1,00 em nossa economia.

Poderia ser diferente no Brasil. Os países industrializados conseguiram promover seu crescimento econômico sem aumentar seu consumo de eletricidade. A China, que tem também graves problemas de abastecimento, planejou seu crescimento industrial em setores menos intensivos em energia e de maior valor agregado. Aqui mesmo no Brasil, nos idos de 70, a escassez de eletricidade na região de Manaus (AM) ajudou a definir um perfil industrial para a Zona Franca orientada para setores eletro-eletrônicos, menos intensivos em eletricidade e de maior valor agregado.

No ano passado, que foi um ano recorde de crescimento do PIB (4,2%), a eletricidade cresceu ainda mais, 4,6%. Essa relação pode ser revertida, ou pelo menos estabilizada, mas leva tempo e determinação na orientação de uma política pública orientada para eficiência energética.

Nos últimos anos, por diversas vezes, atingimos níveis críticos de confiabilidade de fornecimento de energia elétrica. Tradicionalmente mantemos uma margem de reserva de 10% de excesso de capacidade instalada em relação à demanda esperada. No entanto, nosso sistema tem funcionado durante algumas horas do ano com pouca folga, algo em torno de 2-3%, para atender eventuais aumentos instantâneos de consumo. Nesses períodos os riscos de apagões ou blackouts são grandes. Essa estreita e perigosa margem de reserva sempre foi de conhecimento dos responsáveis pela operação do sistema e são indicadores indiscutíveis de que algo não vai bem.

E para completar o quadro, temos ainda importantes aspectos relacionados com as mudanças institucionais do setor elétrico. A partir de meados da década passada iniciamos reformas que introduziram a privatização e novas regras para criar competição no mercado de eletricidade. A argumentação era de que esta seria uma maneira de atrair investimentos em uma área onde o setor público não conseguia mais captar recursos.

Parte da estratégia das reformas foi a instalação do Conselho Nacional de Política Energética, com a função de assessorar o presidente da República em matéria relacionada com os destinos da infra-estrutura energética do País. Criado no papel em 1997, somente em 2000 reuniu-se pela primeira vez e nada de significativo tem produzido desde então. De 97 para cá, criaram-se agências de regulação que funcionam sem uma orientação de longo prazo.

Criaram-se regras para investimentos compulsórios em programas de eficiência energética e pesquisa e desenvolvimento, mas sem metas e com modestíssimos instrumentos de avaliação. E principalmente, ainda muita indefinição. A verdade é que nossas reformas ainda estão no meio do caminho. O capital privado, que não é santo nem bobo, só vai realizar os esperados investimentos para aumentar a oferta de eletricidade quando perceber regras claras e estáveis.

Planejamento energético exige visão, exige transparência, estratégia e, obviamente, competência técnica. Somente agora surgem projetos interessantes de co-geração. O enorme potencial de biomassa para geração de eletricidade e as oportunidades de seu desenvolvimento tecnológico, campo onde já fomos líderes, permanecem dormentes há décadas. Ainda não ousamos inovações regulatórias, procurando incentivar as concessionárias para promoverem conservação e não serem estimuladas a vender cada vez mais eletricidade para seus consumidores.  São necessárias novas formulações de tarifas para consumidores de modo a melhorar a operação do sistema a curto, médio e longo prazo.

 

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