Energia e Mudanças
Climáticas: barreiras e oportunidades para o Brasil
Publicado Revista Comciência em 10/08/2002 (www.comciencia.br)
Gilberto De Martino
Jannuzzi
Universidade Estadual
de Campinas
O debate internacional
desenvolvido especialmente durante os últimos dez anos
estabeleceu importantes relações entre o consumo
de energia fóssil e suas contribuições
para acelerar processos de mudanças climáticas.
É crescente a percepção entre cientistas
e governantes de alguns países que o processo de decisão
sobre desenvolvimento social, e política energética
em particular, deve lidar com novas incertezas e riscos de
alterações irreversíveis com conseqüências
ambientais e econômicas de difícil predição.
As concentrações
atmosféricas dos gases-estufa considerados no Protocolo
de Quioto (especialmente o CO 2 ) vem aumentando continuamente
devido ao crescente uso de energia fóssil (petróleo,
carvão, gás natural) e a mudanças no
padrão de uso do solo (agricultura, urbanização,
desmatamento). O uso de energia somente é responsável
por mais de dois terços das emissões de gases-estufa.
O consumo mundial
de energia aumentou a uma taxa anual de 1,3% entre 1990 e
1998, mas se considerarmos somente os países em desenvolvimento
suas taxas se situam entre 2,3 a 5,5 ao ano para o mesmo período.
Mesmo com essas relativas altas taxas os países em
desenvolvimento contribuem com cerca de 30% das emissões
anuais comparado com mais de 50% dos países industrializados.
Se contabilizarmos as emissões de modo cumulativo desde
a Revolução Industrial, ou se fizermos considerações
de emissões em termos percapita , por unidade de produto
econômico (PIB), as contribuições dos
países em desenvolvimento são ainda bem mais
modestas.
No entanto, isso
não significa que países em desenvolvimento
não devam compartilhar de esforços para reformular
sua estrutura de produção e consumo de energia
e de realizar contribuições efetivas para controlar
o crescimento de emissões de gases-estufa.
O assunto é
complexo, os desafios enormes, mas vale a pena discutir algumas
barreiras e mais especialmente, algumas oportunidades que
uma transição energética para combustíveis
renováveis e tecnologias mais limpas e eficientes podem
oferecer a países em desenvolvimento.
Dentre os países
em desenvolvimento, o Brasil, a China e a Índia são
os principais países com relação à
contribuições a emissões de gases estufa.
O Brasil é um caso interessante para analisar que tem
vantagens comparativas para adotar uma estratégia de
desenvolvimento sustentável. Vamos apresentar algumas
características de nosso sistema energético
e das perspectivas que o país possui.
A alta participação
da energia hidráulica na matriz energética é
um indicador positivo de nossa contribuição
histórica para controle de emissões, mas ao
mesmo tempo nos coloca reféns das próprias mudanças
climáticas que acrescentam incertezas quanto a vazões
de nossos rios e à crescente pressão sobre recursos
hídricos para usos múltiplos da água.
O regime de chuvas está mudando e temos que providenciar
um melhor entendimento do comportamento das vazões
de nossos rios que não respondem aos modelos de previsões
utilizados durante décadas pelo setor elétrico.
Em paralelo, é notório o crescimento de atividades
agrícolas, industriais e de abastecimento da população
que demandam maiores quantidades de água. A situação
de crise de abastecimento de eletricidade vivida durante o
ano de 2001 mostrou claramente os limites do sistema hidroelétrico
atual, da necessidade de melhor gestão desses recursos
e de seu planejamento para diminuição de riscos.
Maior diversificação
da matriz de geração de eletricidade está
sendo buscada através de maior participação
de centrais térmicas utilizando principalmente gás
natural, que na verdade aumentarão as emissões
nacionais de gases-estufa. No entanto, o país está
também realizando esforços na direção
da geração através de fontes renováveis.
O país conseguiu
aprovar uma lei (PROINFA) estabelecendo um cronograma para
a entrada de energia eólica, pequenas hidroelétricas
e biomassa para geração de eletricidade. Os
esforços demandados são grandes para que essa
lei se concretize e que os objetivos de inserção
das fontes renováveis no sistema energético
de forma sustentável e competitiva, isto é,
sem depender de contínuos subsídios governamentais.
No entanto, o fato é que ainda não estão
resolvidas questões fundamentais como preços
dessas fontes, que agentes comprarão, e questões
técnicas de operação e de planejamento
de um sistema elétrico que foi projetado para receber
grandes blocos de energia de hidroelétricas.
O caso da energia
eólica é útil para ilustrar alguns desses
problemas mencionados. O maior potencial eólico brasileiro
está situado em áreas litorâneas do NE
e já temos cerca de 4 GW de capacidade (1/3 de Itaipu)
de projetos aprovados. A grande parte dos empreendimentos
se localizam em pontos bastante fracos da rede de eletricidade
do NE, locais onde não se previa a inserção
de unidades geradoras de eletricidade e que podem comprometer
a qualidade do fornecimento para toda a rede. A tecnologia
de geração eólica já se encontra
bastante desenvolvida e madura no mercado internacional, mas
será necessário adapta-las e rapidamente desenvolver
procedimentos para poder prever o comportamento da geração
eólica e inseri-la na operação do sistema
interligado nacional. É desejável também
que um programa energético se preocupe também
em gerar bons empregos e desenvolver a industria nacional.
No campo da biomassa,
em que pese a experiência nacional com a implantação
do maior programa de biomassa líquida do mundo: o Pró-alcool
, que promove a substituição da gasolina, é
necessário estabelecer outras iniciativas para substituir
outros derivados de petróleo, como o diesel. Muitas
das tecnologias para o uso energético da biomassa já
são dominadas no país mas ainda não existe
um mercado estável e para isso, deve haver maior participação
da indústria nacional. Existem ainda, é claro,
oportunidades de avanços tecnológicos nessa
área que podem colocar o país em condições
de destaque e com possibilidades de exportar know-how.
Neste ano, o Centro
de Gestão e Estudos Estratégicos elaborou uma
proposta de Programa de Pesquisa e Desenvolvimento em Células
a Combustível para o Ministério de Ciência
e Tecnologia. Este estudo identifica possibilidades interessantes
para o país investir nesse tipo de tecnologia que poderá
dar novos usos para o etanol, criar uma nova base industrial
e aproveitar muito da competência técnica já
instalada no país. Células a combustível
são equipamentos capazes de converter a energia química
de certos combustíveis em energia elétrica,
sem a necessidade de combustão, com maior eficiência
e menores emissões de poluentes que os equipamentos
atuais. A utilização de células a combustível
seria uma solução especialmente interessante
para minimizar as emissões de gases-estufa em atividades
de geração de eletricidade ou para transporte.
Ainda temos barreiras
importantes para vencer. O acesso e equidade no consumo de
energia é um problema nacional e global, indicando
as disparidades econômicas que persistem. No país
e no resto do mundo os subsídios oferecidos à
energia fóssil são enormes. Importantes setores
econômicos estão baseados em atividades de extração,
produção e uso de carvão, petróleo
e gás natural. Isso pode ser verificado nas oscilações
de preços internacionais de petróleo e suas
imediatas repercussões nas economia mundial. O próprio
embate político vivido em torno do Protocolo de Quioto
reflete os interesses de grandes corporações
e de países industriais, em particular o caso dos Estados
Unidos.
Há que se
reconhecer que nos últimos anos o país tem à
disposição novos e significativos instrumentos
que potencialmente favorecem a produção e uso
mais sustentável de energia. Além do PROINFA,
já citado, temos recursos para investir em pesquisa
e desenvolvimento na área de energia. O Fundo Setorial
de Petróleo CTPETRO possui um orçamento anual
de cerca de 150 milhões de reais. O Fundo Setorial
de Energia CTENERG possui cerca de 70 milhões de reais
e igual montante é aplicado pelas concessionárias
de eletricidade. Esta é uma oportunidade de investir
na busca de soluções para promover maior diversificação
da matriz energética brasileira, desenvolver e introduzir
tecnologias limpas e eficientes que auxiliem e expandam os
serviços de energia de maneira econômica e com
menores impactos sociais.
Esses recursos,
se bem coordenados, poderão alavancar e mobilizar outras
iniciativas do setor privado que são fundamentais para
que o país possa planejar sua transição
energética na direção de combustíveis
com menor conteúdo de carbono, maior eficiência
energética e crescente participação de
energia renovável.
Mais recentemente,
o país regulamentou a Lei de Eficiência Energética
que estabelece índices máximos de consumo de
energia para equipamentos produzidos ou comercializados no
país. Este é um importante instrumento para
garantir aos consumidores brasileiros o acesso a tecnologias
com menor consumo de energia e também para induzir
um constante aprimoramento tecnológico dos produtos
nacionais.
Estas são
algumas das oportunidades presentes no país e que podem
trazer uma grande contribuição para as desejadas
reduções de emissões de gases-estufa.
São poucos os países em desenvolvimento que
possuem essas condições.
É necessário,
no entanto, que o setor público possua uma alta capacidade
de liderança e competência técnica para
utilizar os instrumentos mencionados e coordenar atividades
entre o setor produtivo, consumidores, governo e centros de
pesquisa. Essa capacidade se traduzirá em uma percepção
de estratégias de transição para uma
economia menos intensiva em energia e para um novo sistema
energético. Esse sistema deverá promover a substituição
de combustíveis com menor conteúdo de carbono,
a contínua utilização de tecnologias
mais eficientes, e crescente participação de
fontes renováveis.
15-jan-05
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