O Brasil tem desenvolvido
esforços para conservar e usar energia elétrica de maneira mais
eficiente desde 1985 quando foi criado o PROCEL. Outra demonstração
de interesse e apoio público foi demonstrado em 1998 quando a ANEEL estabeleceu
a obrigatoriedade das concessionárias investirem anualmente uma parcela
de sua receita em programas de eficiência energética. Dois anos
mais tarde uma lei federal (Lei 9.991/00) aprimorou a destinação
de recursos para eficiência energética restringindo suas aplicações
para usos finais junto aos consumidores das concessionárias e criando
um fundo Nacional - CTENERG. O CTENERG deve investir em programas de eficiência
energética de interesse público, complementando os investimentos
realizados pelas concessionárias de distribuição que são
na sua maioria empresas privadas.
Ainda está na memória de grande parte dos brasileiros que na época
de crise do apagão, a eficiência energética foi o carro-chefe
das ações para controle da demanda de eletricidade. Foi uma demonstração
do potencial existente e um aprendizado coletivo sobre melhores hábitos
de consumo e tecnologias. A crise teve também um grande papel pedagógico
e muitos consumidores realmente mudaram seu patamar de consumo trocando equipamentos
e usando mais energia solar, por exemplo.
Desde 1998 até o ano passado, somente as concessionárias de eletricidade
investiram cerca de R$ 1,5 bilhões em programas de eficiência energética
sob supervisão da ANEEL. É bem verdade que é ainda difícil
demonstrar, com um mínimo de rigor e credibilidade, os resultados desses
investimentos em termos de energia conservada. No entanto, estimativas da ANEEL
apontam para um total acumulado de 1.144 MW de demanda evitada.
É pouco ainda.
Porém, observamos que durante esse período houve importantes avanços
no programa de eficiência energética supervisionado pela ANEEL.
Os projetos propostos pelas empresas concessionárias melhoram em qualidade,
houve significativo aumento de empregos através de firmas de consultoria
e engenharia que são responsáveis pela execução
de grande número desses projetos, foi sendo criando um mercado estável
e promissor para produtos mais eficientes e novos serviços. A própria
regulação da ANEEL e legislação federal foi sendo
aprimorada corrigindo alguns vícios e defeitos que especialistas e a
prática apontaram.
Em que pese o registro positivo que fazemos acima sobre o apoio de políticas
públicas à eficiência energética, é importante
ressaltar que nem sempre houve consistência e continuidade de ações
nesse sentido nos últimos 20 anos. Estamos agora sob uma nova ameaça
que compromete o futuro de todo esse aprendizado e conquistas para garantir
que nossa economia possa funcionar consumindo eletricidade de maneira mais eficiente
e que os consumidores possam gastar menos com energia.
Pois bem, a ANEEL coloca em consulta pública uma resolução
que muda as regras que obrigam as concessionárias a realizarem os investimentos
em programas de eficiência energética. As novas regras representam
um enorme retrocesso para o país e demonstram uma grande confusão
conceitual por parte da ANEEL.
Assim, nessa nova resolução, a ANEEL obriga que no mínimo
90% dos recursos destinados pela Lei 9.991/00 à eficiência energética
sejam aplicados em projetos de perdas comerciais e baixa renda. Nesse tipo de
redação pode-se entender que um cenário possível
seria a aplicação de 100% dos recursos para corrigir perdas comerciais
das concessionárias. Ora, qualquer boa empresa não precisa de
nenhum órgão pago pelo contribuinte para obrigar a realizar investimentos
que a própria lógica de seu negócio já determina.
Combate a fraude, instalação de medidores, evitar os "gatos"
não são definitivamente ações consideradas como
de "eficiência energética", é um enorme exemplo
de redundância regulatória e que atende a interesses comerciais
das próprias empresas.
Existem ainda outras graves distorções. Por exemplo, a nova resolução
extingue a possibilidade de financiar programas de educação e
programas que visam a melhorar a gestão energética de municípios.
Outra importante conquista introduzida em anos anteriores e que tem estimulado
a criação de novas empresas de serviços de energia através
dos chamados "contratos de desempenho" também sofre restrições
agora. Esses contratos possibilitavam a recuperação do investimento
inicial em programas através de economias na conta de energia e tem sido
importante instrumento para estimular um mercado pequeno mas bastante promissor
de fornecedores de produtos e serviços de eficiência energética.
É realmente lamentável que, em lugar de estarmos avançando
em aprimorar a regulação dos programas de eficiência energética
das concessionárias, estejamos perdendo tempo em discussões que
até agora entendíamos como superadas. A ANEEL deveria estar muito
mais preocupada em garantir uma avaliação mais rigorosa dos resultados
dos programas e realizar um esforço de melhor coordenação
de metas e desenvolvimento de um mercado estável de serviços para
eficiência energia.
*Gilberto De Martino Jannuzzi, professor Associado em Sistemas Energéticos,
Faculdade de Engenharia Mecânica, UNICAMP e diretor executivo da International
Energy Initiative.