Professor Gilberto De Martino Jannuzzi

Professor Associado em Sistemas Energéticos - Associate Professor in Energy Systems
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
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Lições da Califórnia

Gilberto De Martino Jannuzzi

Pela primeira vez a próspera e pujante Califórnia está tendo que conviver com racionamento de eletricidade e apagões. Um problema sério para um estado que consome mais energia que todo o Brasil, e que necessita da eletricidade para movimentar a economia mais informatizada do planeta. A crise na Califórnia é resultado de uma enorme reforma no setor de energia elétrica.

A liberização do mercado de eletricidade e as tentativas de introdução de maior competição estão se mostrando experimentos extremamente complexos, onde se misturam oportunismo, demagogia política e interesses corporativos. O Brasil também procura criar competição para o mercado de energia. Se formos espertos talvez possamos evitar problemas semelhantes por aqui.

A reforma do setor elétrico na Califórnia baseava-se na crença de que a competição seria capaz de trazer inovação e menores preços para os consumidores. Grandes corporações industriais – que também são grandes consumidoras de energia - pressionavam por maior liberdade para comprar de outros fornecedores. Existia também a importante evidência de que novas tecnologias (turbinas a gás) e novos produtores poderiam participar do fornecimento de serviços de energia, com preços menores daqueles que estavam sendo praticados pelas principais companhias que até então dividiam o mercado do estado: a PG&E e a Southern California Edson.

O processo para viabilizar a reforma do setor elétrico durou um bom tempo. As duas companhias foram obrigadas a vender suas usinas e reduzir seu tamanho para poder para haver competição. Houve espaço para negociar com a própria sociedade, principalmente grupos ambientalistas e sindicados. Foram mantidos os programas de benefícios sociais; os investimentos em programas de eficiência energética e pesquisa; os programas de desenvolvimento e empregos; além do congelamento de tarifas para algumas classes de consumidores.

Contudo, os novos investidores, as novas usinas e as esperadas inovações tecnológicas para a indústria de geração de eletricidade não apareceram.

A pitada de demagogia entra quando, durante esses últimos meses, as duas grandes companhias tiveram que comprar energia de fornecedores de estados vizinhos, pagando preços de mercado - que chegaram a ser até 60 vezes maiores que os verificados no ano passado. O órgão regulador proibiu-as de repassar os aumentos aos consumidores, provocando um rombo de 12 bilhões de dólares nas duas empresas em menos de 6 meses.

A crise da Califórnia é resultado do extraordinário crescimento econômico do estado, variações climáticas, aumentos dos custos ambientais, e ausência de investimentos em aumento da capacidade de geração, motivadas principalmente pelas incertezas das reformas e pela competição.

Agora, governo e legisladores estão estudando um plano de emergência para comprar parte das duas maiores companhias do estado, praticamente falidas.

A alternativa é a de sempre: o governo deverá emitir títulos para cobrir a dívida das duas empresas e distribuir esse prejuízo com os consumidores, que deverão pagar de volta durante os próximos dez anos. Desse modo, o Estado pode realizar compras de energia de produtores fora do estado e negociar contratos mais vantajosos, já que as companhias não possuem mais crédito para realizar contratos de longo prazo.

No caso da Califórnia, foram os grandes consumidores os principais articuladores das reformas, além de outros grupos, que viram novas oportunidades de realizar bons negócios. O prejuízo, no entanto, será compartilhado por todos consumidores residenciais, que nunca se interessaram muito pelo assunto “reformas do setor elétrico”.

É perturbadora a lição contida nesse caso: ela é demasiadamente próxima a nós.

 
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